Assim como o corpo precisa do ar para respirar e da circulação do sangue para se manter vivo, também a alma precisa de permanecer em contacto com Deus ao longo das vinte e quatro horas do dia. Por isso, a autêntica piedade leva a referir tudo ao Senhor: o trabalho e o descanso, as alegrias e as dores, os êxitos e os fracassos, o sono e a vigília. Como D. Álvaro escrevia em 1984, «entre as ocupações temporais e a vida espiritual, entre o trabalho e a oração, não pode haver só um “armistício” mais ou menos conseguido. Deve existir uma união plena, uma fusão que não deixa resíduos. O trabalho alimenta a oração e a oração enche o trabalho» [9].
Para alcançar esta meta, além do auxílio da graça, requer-se um esforço pessoal constante, que muitas vezes se concretiza em pequenos detalhes: dizer uma jaculatória ou uma breve oração vocal aproveitando uma deslocação ou uma pausa na tarefa, dirigir um carinhoso olhar à imagem do crucifixo ou da Santíssima Virgem, que discretamente colocámos no nosso lugar de trabalho, etc. Tudo isto serve para manter viva na alma uma orientação de fundo para o Senhor, a qual procuramos fomentar quotidianamente na Missa e nos tempos dedicados expressamente à meditação. E assim, mesmo que em muitas ocasiões estejamos concentrados nas várias ocupações, porque a mente se dedica completamente às diversas tarefas, a alma continua presa ao Senhor, e mantém com Ele um diálogo que não é de palavras, nem sequer de pensamentos conscientes, mas de afectos do coração, do desejo de fazer tudo, até o mais trivial, por Amor, com o oferecimento daquilo que nos ocupa.Quando actuamos com este interesse, o trabalho profissional converte-se numa palestra onde se exercitam as mais variadas virtudes humanas e sobrenaturais: a laboriosidade, a ordem, o aproveitamento do tempo, a fortaleza para rematar a tarefa, o cuidado das coisas pequenas… e tantos detalhes de atenção aos outros que são manifestações de uma caridade sincera e delicada.Convencei-vos de que não é difícil converter o trabalho num diálogo de oração. Assim que o oferecemos e metemos mãos à obra, já Deus nos está a ouvir e a alentar. Assim, nós, no meio do trabalho quotidiano, conquistamos a maneira de ser das almas contemplativas, porque nos conquista a certeza de que Deus nos olha, sempre que nos pede uma nova e pequena vitória: um pequeno sacrifício, um sorriso à pessoa importuna, começar pela tarefa menos agradável e mais urgente, ter cuidado com os pormenores de ordem, ser perseverante no dever quando era tão fácil abandoná-lo, não deixar para amanhã o que temos de acabar hoje... E tudo isto para dar gosto ao Nosso Pai Deus! Entretanto, talvez sobre a tua mesa ou num lugar discreto que não chame a atenção, para te servir de despertador do espírito contemplativo, pões o crucifixo, que já se tornou para a tua alma e para a tua mente o manual onde aprendes as lições de serviço [10].
Com a mesma força com que impulsionava a converter o trabalho em oração, o nosso Padre insistia na necessidade de não abandonar os tempos dedicados exclusivamente ao Senhor: a Missa e a Comunhão frequentes, os tempos de oração mental, o Terço e outras práticas de piedade amplamente experimentadas na Igreja. Com tanto mais cuidado e atenção quanto maiores forem as dificuldades, por causa de um horário de trabalho apertado, da fadiga ou dos momentos áridos que, mais tarde ou mais cedo, não faltam na vida de ninguém. «Tais exercícios – recordava D. Álvaro – não se hão-de conceber como interrupções do tempo dedicado ao trabalho, não são como parêntesis no decorrer do dia.
Quando rezamos, não abandonamos as actividades “profanas” para nos metermos nas actividades “sagradas”. Pelo contrário, a oração é o momento mais intenso de uma atitude que acompanha o cristão em toda a sua actividade e que cria o laço mais forte, porque é o mais íntimo, entre o trabalho realizado antes e o que se voltará a realizar imediatamente a seguir. E, de forma paralela, precisamente do trabalho saberá o cristão obter matéria com que alimentar o fogo da oração mental e vocal, impulsos sempre novos para a adoração, a gratidão, o confiado abandono em Deus» [11].
[9] D. Álvaro del Portillo, Il lavoro si transformi in orazione, artigo publicado na revista “Il Sabato”, 7-XII-1984 (“Rendere amabile la verità”, Livraria Editrice Vaticana, Roma 1995, p. 649).
[10] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 67.
[11] D. Álvaro del Portillo, cit., pp. 650-651.[12] S. Josemaria, Sulco, n. 514.
D.Javier Echevarria
Carta Pastoral de Julho de 2010