segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Precisamos de saltar para as mãos de Deus

"De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar. Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. No mesmo instante, Jesus falou-lhes, dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» «Vem» - disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» E, quando entraram no barco, o vento amainou. (Mateus 14, 22-32)"


Nós somos aquela criança, todos nós, todos os dias: apanhados no escuro, precisando e querendo saltar, mas incapazes de ver onde vamos cair, sentindo-nos sós e assustados. Somos também Pedro, querendo andar sobre a água em direção a Jesus, mas hesitamos e deixamo-nos submergir.

“O medo é inútil», disse muitas vezes Jesus. “O que é preciso é fé”. Está certo, mas a fé de que Ele fala não é o que muitos de nós pensamos. Não se tratam de abstrações teológicas. Trata-se de nos confiarmos às mãos de Deus porque sabemos que Ele nos ama mais do que nós nos amamos a nós mesmos.

Mas ainda que esta ideia esteja clara, podemos ainda ficar desorientados por pensarmos que, ao confiar em Deus, Ele nos protege do fracasso e da dor. A promessa não é essa. A promessa de Deus para aqueles que nEle confiam é esta: Ele dar-nos-á a força para enfrentar todos os problemas que surgirem, e nunca deixará que sejamos destruídos por eles, ainda que morramos.

Mas a fé tem ainda outro lado: os talentos e dons que Deus nos deu porque Ele teve fé em nós. Pedro perdeu a fé nos dons que Deus lhe havia dado e esperou que Deus resolvesse o problema. Resultado: afundou-se!
Confiar em Deus significa também confiar nos seus dons. E confiar nos seus dons significa usá-los.

Há uma antiga expressão que diz:
Trabalha como se tudo dependesse de ti, e reza como se tudo dependesse de Deus.
É precisamente o que é necessário, mas não é fácil aplicá-lo porque não conseguimos ver Deus, e demasiadas vezes não conseguimos ver os nossos dons.
Pode ajudar recordar as palavras escritas há mais de 50 anos na parede do gueto de Varsóvia:

Acredito no sol, ainda que não brilhe.

Acredito no amor, ainda que não o sinta.

Acredito em Deus, ainda que não O veja.

Confie em Deus e confie nos dons que Ele lhe deu. Ou seja, use os seus dons. E então salte! E nunca olhe para trás!



Mons. Dennis Clark
In Catholic Exchange
Trad. / adapt.: rm
© SNPC (trad.) 20.11.10

domingo, 21 de novembro de 2010

Cristãos com os braços levantados para Deus

"O desenvolvimento tem necessidade de cristãos com os braços levantados para Deus em atitude de oração, cristãos movidos pela consciência de que o amor cheio de verdade — caritas in veritate –, do qual procede o desenvolvimento autêntico, não o produzimos nós, mas é nos dado.
Por isso, inclusive nos momentos mais difíceis e complexos, além de reagir conscientemente devemos sobretudo referir-nos ao seu amor.
O desenvolvimento implica atenção à vida espiritual, uma séria consideração das experiências de confiança em Deus, de fraternidade espiritual em Cristo, de entrega à providência e à misericórdia divina, de amor e de perdão, de renúncia a si mesmos, de acolhimento do próximo, de justiça e de paz. Tudo isto é indispensável para transformar os “corações de pedra” em “corações de carne” (Ez 36, 26), para tornar “divina” e consequentemente mais digna do homem a vida sobre a terra".
Carta Encíclica "Caritas in veritate", ponto 70
Papa Bento XVI

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Dez conselhos para a oração

Dez conselhos para a oração

A oração é um caminho para Deus por vezes semeado de ciladas. Padres, religiosos e leigos sugerem algumas orientações, baseadas na sua vida espiritual.

1. Quando rezar? Onde? Durante quanto tempo?
«Os amigos, se querem encontrar-se, devem fazer escolhas e decidir as prioridades na sua agenda. Se eles permanecem na fase do desejo, nunca se reencontrarão. Com a oração é a mesma coisa. Se só rezar quando tem vontade, então não reza o suficiente», diz o P. Jean-Marie Gueullette, professor de teologia da Universidade Católica de Lyon.
«No que respeita ao lugar – continua – o essencial é encontrar o espaço que, para cada um, favorece a oração, a contemplação. Mas não se reza apenas nas capelas ou no calor dos lugares preparados. Deus está connosco em todo o lugar porque Ele habita em nós. Se os nossos dias incluem um tempo de oração, mesmo curto, torna-se pouco a pouco possível tomar consciência da presença de Deus no supermercado ou no elevador.»
Um conselho: Fixar uma tempo de oração realista e mantê-lo. Não colocar a questão de saber se tem ou não desejo de orar; a oração não parte da pessoa nem dos seus estados de alma, mas de Deus, na presença de quem se reza.

2. O corpo participa na oração?
«Fomos longe demais na rutura entre o espírito e o corpo, e ainda somos seres presos», lamenta Catherine Aubin, dominicana, licenciada em psicologia e doutora em teologia espiritual. «O corpo é o meio da nossa relação com o mundo e os outros».
«Quando gosto de alguém, dou-lhe a mão, sorrio-lhe e abraço-o. A oração é da mesma ordem, porquanto é relação. Uma relação totalmente interior com Deus. O corpo, longe de perturbar, ajuda a rezar, a pôr o meu coração em movimento.
Se eu abraço o Evangelho antes de começar a orar, esse gesto predispõe o meu corpo. Cada pessoa pode deixar vir do interior de si mesmo os gestos íntimos que colocam o seu coração em movimento. Por vezes nem é preciso falar. O corpo é oração.»
Um conselho: Começar por encontrar o sentido da respiração. Inspirando, acolho o dom da vida que Deus me concede. Expirando, entrego a Deus o que Ele me deu: o sopro da vida. Cada manhã ao levantar e cada noite ao deitar, fazer um exercício de respiração profunda, para estar em contacto consigo, com os outros e com Deus.

3. Como entrar na oração?
«A oração – lembra o irmão Jean Marie, há 30 anos em Taizé – é um espaço onde nos deixamos conduzir, atraídos por Deus. Em Taizé, os jovens têm a oportunidade de parar, de se deixar conduzir. A música é bela, os cantos são simples. Mas o vocabulário é o dos Salmos. Um versículo ressoa em nós. Talvez ele nos fale. O canto descentra-nos suavemente, abre a porta à Palavra de Deus. Depois, as leituras iluminam-se frequentemente de outra maneira, e no tempo do silêncio deixamo-nos unir nos recantos mais escondidos do nosso coração pela Palavra de Deus.»
Um conselho: privilegiar a simplicidade dos meios e dos gestos. Um ícone. Uma cruz. Uma Bíblia aberta. Começar com um belo sinal da cruz. Cada um tenha em si palavras como «Eis-me aqui Senhor».

4. Para rezar é preciso falar?
«Deixar que as preces se tornem oração é aceitar calar-se, deixar o silêncio estabelecer-se em nós, no esquecimento de nós mesmos, para nos concentrarmos nas palavras de Jesus, permitindo que o Espírito as grave nos nossos corações até que elas deem frutos de fé, esperança e caridade», refere o padre carmelita Dominique Steckx.
«Em seguida, pronunciar palavras breves e simples, como servo e amigo, perguntando: “Que queres que eu faça?”. A oração, como todo o encontro entre amigos, tem tonalidades diferentes como os dias.
Às vezes, um versículo da Bíblia absorve-me e oferece-me a possibilidade de gozar a presença de Deus. Noutras ocasiões é-me suficiente pronunciar apenas o nome de Jesus para que Ele se torne presente. Contento-me então em olhá-lO e deixar-me olhar por Ele. Mas por vezes parece que Ele deixou de existir para mim. Crer, apesar de tudo, na sua presença em mim é um ato de fé na sua palavra. O Senhor não precisa de uma sirene para se fazer entender!»
Um conselho: «O silêncio abre a capacidade de receber Deus, começando por abandonar nas suas mãos o que somos, com as nossas fraquezas e neuroses», explica o P. Antoine de Augustin, formador no Seminário de Paris.

5. Como alimentar a oração?
O recurso regular à Escritura é indispensável para aprender a conhecer Aquele ao encontro de quem se vai, ao mesmo tempo que se procura dar corpo à sua Palavra. Seguindo os Padres do Deserto, os monges praticam na solidão uma leitura orante da Bíblia (lectio divina). Esta prática, adaptada, pode ser retomada por todos os cristãos.
«A palavra de Deus é uma bússola que orienta tudo o resto», afirma o abade David. «Há 20 anos que leio a Escritura com o lápis na mão. Deus (...) confia-nos, delega-nos pelo seu Espírito a compreensão da Escritura. Eu esforço-me por a compreender, com os meus conhecimentos. Depois copio a palavra, o versículo que me toca, e deixo-o desdobrar-se, para além do pensamento. Copiar é ler sete vezes, diz-se. No silêncio, escuto o que Deus tem para me dizer, através desse versículo, como Ele se une a mim na minha personalidade, na minha vida, nas minhas provações. Isto reveste-me, acompanha-me durante o dia, permitindo-me talvez reconhecer, na palavra de um irmão, de um hóspede, de um amigo, como o Espírito trabalha.»
Um conselho: A Bíblia é uma pequena gota que penetra a pedra. Ler uma passagem bíblica, sem se preocupar demasiadamente em a analisar. Escolher uma palavra que interpele; escutá-la, voltar a escutá-la para deixar ressoar a palavra de Deus. Até um quarto de hora por dia...

6. Há métodos para orientar a oração?
Aprender a rezar é aprender a exprimir o desejo de Deus na presença de Deus. A liturgia comum é o espaço fundamental para esta aprendizagem. Ela articula-se com a oração solitária, pessoal, na qual o cristão se detém na presença do Pai, «que vê o oculto» (Mateus 6, 6).
«Há escolas espirituais e métodos que se desenvolveram ao longo dos séculos para encorajar, guiar, evangelizar esta oração», constata Pascale Paté, que com o seu marido pertence à comunidade Chemin-Neuf.
«Cada um corresponde à experiência de um homem ou de uma mulher. Inácio de Loyola, por exemplo, propõe uma pedagogia da oração, fruto da experiência que o conduziu a discernir a ação do Espírito de Deus nele, que transmitiu nos seus Exercícios Espirituais. Estas escolas podem ser necessárias para se pôr a caminho, ir mais longe, perseverar, aprender a deixar-se transformar».
Um conselho: Cabe a cada pessoa encontrar o caminho que melhor lhe convém. Começar por observar as propostas existentes perto de casa, na vida de todos os dias, ouvir os conselhos dos seus próximos, ver, experimentar.

7. Recitar uma oração é rezar?
Jesus condenou a repetição mas também deu como exemplo a viúva que não teve receio de importunar o juiz com um pedido insistente (Lucas 18, 1-8). A tradição cristã oferece muitas orações. O “Pai-nosso”, ensinado por Jesus aos seus discípulos, tem lugar privilegiado. Outras encerram uma referência evangélica, como a “Avé Maria” e o “Magnificat”, ou têm um lugar importante na tradição da Igreja, como o Símbolo dos Apóstolos (Credo) ou o Glória. É também possível meditar nos mistérios do Rosário ou dizer a “prece do coração” – «Senhor Jesus, Filho de Deus, tem piedade de mim, que sou pecador».
«O risco é a recitação maquinal, sem ser animado pelo desejo de união a Cristo», assinala o P. Patrice Gourrier, de Poitiers.
A prece do coração, explica, «foi concebida pelos padres orientais para afastar o fluxo dos pensamentos, abrir o vazio e criar um espaço de silêncio interior, para que Cristo habite sempre e cada vez mais a nossa personalidade.
Um conselho: rezar uma ou algumas destas orações em grupo atenua o risco da recitação mecânica. A oração em grupo é um apoio e uma experiência de comunhão.

8. A quem rezar: ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo?
«Os primeiros discípulos rezavam ao Deus dos seus Pais, que se tornou para eles o Pai de Jesus, aquele que Jesus amou e tornou conhecido como seu Pai e nosso Pai. É a Ele que damos graças, em particular pelo dom que nos concedeu através do seu Filho. Ao deixar que o Espírito ore em nós, comungamos com o amor de Jesus pelo Pai. É por isso que a oração cristã se dirige ao Pai, pelo Filho, no Espírito», lembra o P. Michel Rondet, jesuíta.
«A nossa oração pode partir do Filho, da meditação das suas palavras, da contemplação dos seus gestos, mas conduz-nos necessariamente ao Pai. Reciprocamente, não podemos rezar ao Pai sem nos revestirmos dos sentimentos de Jesus e viver do seu Espírito. A oração introduz-nos no movimento que une o Pai, o Filho e o Espírito, na sua comunhão. Não rezamos a Maria ou aos santos como rezamos ao Pai. Pedimos-lhes: ‘Ora por nós’, e não ‘Atendei-nos’».
Um conselho: na comunhão dos santos, unimo-nos à oração de Maria pelos homens, de que ela se tornou mãe aos pés da cruz. Confiamos nela porque, na nossa humanidade, foi associada de maneira única à obra da Trindade. E unimos os santos à nossa oração porque acreditamos que eles participam conosco nos cuidados pelo Reino.

9. É preciso ser acompanhado espiritualmente?
Apoiando-se na narração dos Evangelho onde Jesus foi levado ao deserto para ser tentado (Mateus 4, 1), todas as famílias espirituais asseguram: aquele que reza é forçosamente confrontado com os seus demónios. No século IV, João Cassiano, nas suas conferências sobre a oração que proferia aos monges, comparava o nosso espírito a um moinho cujas pás são movidas pelo vento. Cabe a nós não as impedir de girar, dizia, mas podemos dar-lhes a moer fermento ou joio.
«Em certos momentos, o acompanhamento espiritual pode ser necessário para verificar que não estamos no caminho errado, para desconstruir as armadilhas da ilusão e da omnipotência», afirma a Ir. Véronique Fabre.
«Por exemplo, quando só ouvimos aquilo que temos desejo de ouvir, deixando de lado certas passagens da Bíblia com o pretexto de que não as compreendemos. O acompanhamento pode também ajudar a não avaliar a nossa oração apenas à luz da emoção».
Um conselho: o acompanhamento não é o único meio de ser ajudado a caminhar na oração. O mais importante é não ficar só. Pode ser suficiente participar num grupo para se alimentar da Palavra de Deus, aceitando ser interrogado por ela.

10. O que fazer quando desaparece o gosto da oração?
«Esta aridez não tem nada de estranho. Ela é mesmo quase normal. Os autores antigos consideravam-na útil e fecunda. Purificar a oração é purificar o desejo, até que ele se conforme à vontade de Deus», diz o P. Maurice Bellet, filósofo e psicanalista.
Na época moderna, o desagrado, a falta de gosto provêm muitas vezes do aspeto regulamentar e obrigatório da oração, de um sentimentalismo ambíguo, de um dogmatismo que se torna estéril. Alguns prosseguem custe o que custar. É talvez a oração mais pura, dado que é a aceitação de que a relação seja nua, sem nada que satisfaça.
Mas este querer crer não deve transformar-se numa obstinação vazia de sentido. Orar é ser com Deus, numa relação viva onde Deus é Deus. Onde Deus é dom e ama verdadeiramente o homem.
Dado que se trata de ser com Deus, posso perguntar-me que oração me dá mais gosto: ler o comentário de um texto bíblico com um forte desejo de verdade? Ouvir a Paixão de Bach? Em tudo posso voltar-me para aquele que me é inatingível.»
Um conselho; quando não souber rezar, opte por aquilo que lhe convém... sem julgar o caminho escolhido por potros. Não esquecendo algo de muito concreto, que João anuncia na sua primeira carta (4-12). Deus é este Desconhecido, acima do abismo da ausência, que se revela nos nossos corações e nas nossas mãos quando nos fazemos próximos do próximo.

Martine de Sauto
In La Croix

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