Ao passar em revista as obras de misericórdia, detenhamo-nos agora numa que o Catecismo da Igreja Católica enuncia assim: suportar com paciência as contrariedades [8], tanto as que provêm dos nossos próprios limites, como as que procedem de fora. Mantenhamos uma confiança plena na misericórdia do Senhor que, de todos os acontecimentos, sabe tirar o bem. A paciência também cresce como um dos frutos mais saborosos da caridade para com o próximo. S. Paulo refere-o, no seu magnífico hino a esta virtude: O amor é paciente, o amor é prestável; não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, nem guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta [9].
A misericórdia há de conduzir-nos a viver diante dos outros com paciência, também quando se mostram inoportunos. Todos temos defeitos, arestas no caráter e, ainda que o não procuremos voluntariamente, muitas vezes causamos atritos que ferem os outros: os membros da nossa família, os colegas de trabalho, os amigos, nos momentos de crispação que podem surgir, por exemplo, nas filas de trânsito na cidade… Todas estas ocasiões nos dão oportunidade para tornar grata a vida aos outros, sem nos guiarmos por um caráter desordenado.
A paciência leva-nos a focar sem dramatismos as imperfeições dos outros, sem cair na tentação de lhas atirar à cara, nem procurar desabafar comentando-o com terceiros. De pouco serviria, por exemplo, calar-se perante certos defeitos de alguém se depois os puséssemos em evidência com um comentário irónico; ou se o nosso desgosto nos levasse a tratar a pessoa com frieza; ou se caíssemos em formas subtis de murmuração, que fazem mal a quem murmura, àquele que é objeto da murmuração, e a quem a ouve. Sofrer com paciência os defeitos dos outros convida-nos a procurar que essas carências não nos condicionem na altura de lhes querer bem: não se trata de os estimar apesar dessas limitações, mas sim de os amar com essas limitações. Esta é uma graça que podemos pedir ao Senhor: não nos determos nem justificar as nossas más reações perante as maneiras de ser diferentes dos outros que nos desgostam, porque cada uma, cada um, possui sempre muito maior riqueza, mais bondade do que os seus defeitos. Por isso, quando notarmos que o coração não responde, metamo-lo no coração do Senhor: Cor Iesu sacratissimum et misericors, dona nobis pacem! Ele transformará o nosso coração de pedra num coração de carne [10].
Esmeremo-nos, pois, no cumprimento de todos os nossos deveres, até daqueles que parecem menos importantes; aumentemos a nossa paciência nas contrariedades de cada instante, cuidemos dos pequenos pormenores. Temos de tornar mais vigoroso o nosso esforço por melhorar; para isso, correspondamos a Deus nas pequenas lutas em que Ele nos espera. Por que havemos de ficar ressentidos pelos atritos com carateres diferentes e opostos, tão próprios da convivência quotidiana? Lutemos! Vençamo-nos a nós mesmos! É aqui que Deus nos espera [11].
Receber com um sorriso quem vem ter connosco com ar sombrio, ou responde com palavras desabridas ao nosso interesse por eles, revela modos excelentes de viver o espírito de sacrifício. Muitas vezes, aconselhava o nosso Padre, um sorriso é a melhor prova de espírito de penitência. Já no Caminho ,entre os exemplos de mortificação que sugeria nos anos de 1930, indicava:Essa palavra acertada, a «piada» que não saiu da tua boca; o sorriso amável para quem te incomoda; aquele silêncio ante a acusação injusta; a tua conversa afável com os maçadores e com os inoportunos, não dar importância cada dia a um pormenor ou outro, aborrecido e impertinente, de pessoas que convivem contigo... Isto, com perseverança, é que é sólida mortificação interior [12].
Carta pastoral de Agosto de declaração. JAVIER ECHEVARRIA
Carta pastoral de Agosto de declaração. JAVIER ECHEVARRIA